Para que serve uma escola de juízes? Para o desembargador Armando Sérgio Prado de Toledo,
presidente da Escola Paulista da Magistratura de São Paulo, uma das
mais importantes instituições do gênero no país, ela serve para formar
juízes e não para ensinar juízes. "Conteúdo jurídico, os recém
ingressados na carreira da magistratura têm de sobra, já que foram
aprovados em uma prova das mais exigentes".
Mas é provável que
esses candidatos a juízes não façam a menor idéia do que é ser juiz na
vida real, já que a a Faculdade de Direito não tem como ensinar-lhes
essa matéria. É aí que entra a Escola da Magistratura, segundo Armando
Toledo, que tem o privilégio de estar dentro de um tribunal e de ter um
corpo docente intimamente ligao à atividade judicante.
Armando
Toledo imagina que a Escola da Magistratura deva atuar ainda na fase
inicial de seleção dos novos juizes, durante o concurso de ingresso à
magistratura: "Nessa fase, avaliaríamos tudo o que fosse necessário
sobre vocação e comportamento, e transmitiríamos nossa opinião aos
desembargadores da comissão de concurso".
E seguiria seu trabalho
de formação do juiz durante todo o período de vitaliciamento dos
candidatos, aplicando aquilo que está previsto nas normas, mas que hoje
em dia, até por falta de método, não passa de um formalismo: "Nesse
período que podemos chamar de “período de experiência”, a escola
acompanharia o juiz no seu dia a dia para ver como ele desenvolve suas
atividades, se comprova no exercício da função ter os requisitos
necessários para prestar um bom serviço jurisdicional".
Como bem
lembra o diretor da EPM, ser juiz não é só uma questão de notório saber
jurídico. "É preciso analisar o aspecto humano do juiz, avaliá-lo no seu
dia a dia, ver como ele julga e atua, ver se tem vocação, e se não
tiver, que deixe de ser juiz". O vitaliciamento é uma coisa muito
séria, ele ressalta. Uma vez vitaliciado, o juiz só perde o cargo por
decisão judicial.
Por isso mesmo tanto o ingresso na carreira,
como o exercício da função devem ser revestidos da mesma seriedade. E
para isso também está a Escola da Magistratura, que oferece, ao longo da
carreira dos juízes, meios para ele continuar sendo, sempre um bom
juiz: "A EPM, enquanto academia da magistratura, constitui um
espaço de reflexão. Aqui buscamos ampliar o horizonte dos magistrados,
auxiliá-los na percepção de novas realidades da sociedade na qual estão
inseridos e tomando decisões".
Amando Toledo terá,
agora, a oportunidade de aplicar na prática suas idéias, em prol da
magistratura e da sociedade. Foi eleito por 150 votos para
presidir a Escola Paulista da Magistratura, permanecendo no posto que
ocupava interinamente desde fevereiro de 2011, com a aposentadoria do
desembargador Pedro Gagliardi. Toledo foi o primeiro diretor eleito pelo
Tribunal Pleno, já que até então só votavam os integrantes do Órgão
Especial.
Paulista de nascimento, 56 anos de idade, Armando Toledo
é juiz de carreira e foi juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil, antes de
virar desembargador do TJ. Publicou pela Editora Elsevier, em 2009, o
livro Direito Penal — Reinterpretação à Luz da Constituição: Questões Polêmicas
Por Rogério Barbosa
Leia a entrevista:
ConJur
— O senhor veio de um mandato tampão que assumiu em virtude da
aposentadoria o desembargador Pedro Gagliardi. Situações como esta tem
gerado questionamentos com relação ao critério da antiguidade presente
nas normas que regem as eleições do TJ-SP. Como o senhor vê esse
critério?
Armando Toledo — A regra foi
fixada pelo Supremo em uma liminar concedida pelo presidente, ministro
Cezar Peluso, e deve ser respeitada. A norma, inclusive, já foi
interpretada aqui em São Paulo quando se entendeu que o fato de um
desembargador mais antigo não se inscrever abre esse direito para outro
que vem logo na sequência de antiguidade. Foi o que aconteceu no TJ-SP,
no caso do presidente Ivan Sartori. Ele foi o mais antigo inscrito para
concorrer à presidência. No TJ-SP também podem se inscrever os três mais
antigos para cada cargo. Foi uma alteração razoável.
ConJur — Qual a sua proposta de gestão à frente da EPM?
Armando Toledo — A minha proposta
é dar continuidade ao trabalho que já vem sendo desenvolvido pela
escola. Fundamentalmente, o plano é aumentar o número de cursos para
melhor contribuir para o aperfeiçoamento e aprimoramento de magistrados e
demais operadores do Direito.
ConJur — Qual é a missão da EPM?
Armando Toledo — É importante frisar que
oferecer cursos não significa apenas disponibilizar conteúdo. A EPM,
enquanto academia da magistratura, constitui um espaço de reflexão. Aqui
buscamos ampliar o horizonte dos magistrados, auxiliá-los na percepção
de novas realidades da sociedade na qual estão inseridos e tomando
decisões. Há diversos encontros nas quais repercutimos os problemas do
Judiciário e pensamos em possíveis soluções. CNJ, metas, estrutura,
carreira, aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, etc. A academia é
um espaço para pensar o Judiciário como um todo. Além disso, também me
proponho a auxiliar na formação continuada dos servidores.
ConJur
— O TJ-SP é visto como um dos tribunais mais conservadores do país. Os
juízes tentam se atualizar para acompanhar as mudanças da sociedade?
Armando Toledo — Vejo sempre muito interesse dos juízes em se
atualizar. Eles só não estão ainda mais alinhados à sociedade por falta
de tempo. A carga de trabalho é muito grande. Este é um dos pontos mais
importantes quando elaboramos um curso: a flexibilização do horário, uma
vez que o volume de trabalho de um juiz é muito grande,
consequentemente, o tempo para aprimorar seus conhecimentos acaba sendo
reduzido.
ConJur — Percebe-se que o Executivo e o
Legislativo têm mais iniciativa que o Judiciário na aproximação com a
sociedade. Como a Justiça pode contornar essa situação?
Armando Toledo — O Judiciário
antigamente, e de uma forma equivocada, tinha uma cultura de estar
afastado da sociedade. A ideia era de que o juiz não deveria estar com o
povo, com a sociedade, saber quais as suas aflições. Acreditava-se que
se o juiz estivesse em meio à sociedade, haveria falhas nos julgamentos.
Isso tem mudado. Neste campo, registramos avanços consideráveis. Mas é
claro que há diferenças nítidas entre o Judiciário e os dois outros
poderes com relação à aproximação com a sociedade, porque os outros têm
funções políticas.
ConJur — Em quais momentos pode-se percebe estes avanços?
Armando Toledo — Hoje, não é
difícil encontrar juízes esclarecendo dúvidas sobre processos, sobre
como a Justiça funciona, prestando contas, dizendo o que é e para que
serve o Poder Judiciário. Hoje, vivemos em uma época de transparência.
Os tribunais têm mudado. Observamos iniciativas do próprio Judiciário no
sentido de levar o Direito e o próprio poder para além dos portões dos
Palácios de Justiça. O cenário já mudou bastante.
ConJur —
A escola já foi integrante do concurso para ingresso na magistratura.
Há desembargadores que defendem que isso seja retomado. O que o senhor
acha sobre isso?
Armando Toledo — Existe uma
orientação do Conselho Nacional de Justiça e da Escola Nacional de
Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, do Superior Tribunal de
Justiça, no sentido de que a escola faça parte da fase eliminatória do
concurso para juiz. Mas trata-se de uma orientação, não é uma
determinação. Em virtude dessa orientação, eu fiz duas propostas, que já
foram encaminhadas para o Conselho Superior da Magistratura, e irão
para o Órgão Especial. A minha proposta é que a escola participe de
forma opinativa e complementar, não eliminatória.
ConJur — E como seria esta participação?
Armando Toledo — Acredito que o
momento mais oportuno para atuação da escola seja antes da fase oral. A
nossa análise se daria sob o ponto de vista humanístico e comportamental
do candidato. Saber se ele realmente tem o perfil para a magistratura.
Ou seja, entre a fase escrita do concurso e a oral, os candidatos teriam
um período na EPM. Nós avaliaríamos tudo o que fosse necessário sobre
vocação e comportamento, e transmitiríamos nossa opinião aos
desembargadores da comissão de concurso.
ConJur — E qual é a sua segunda proposta?
Armando Toledo — Ela se refere ao
período que vem após a aprovação do candidato, aquele em que ele já
está juiz. A proposta é a de que a escola o acompanhe pelos dois
primeiros anos de magistratura, até que eles venham a merecer o
vitaliciamento. A escola iria ajudar nesse período que podemos chamar de
“período de experiência”. Acompanhar o juiz no seu dia a dia, ver como
ele desenvolve suas atividades, se comprova no exercício da função ter
os requisitos necessários para prestar um bom serviço jurisdicional. Se
não comprovar, poderá até ser desligado, antes do vitaliciamento.
ConJur — Esta análise já não é feita pelo próprio tribunal?
Armando Toledo — É, mas o
acompanhamento que se faz hoje é mais combinado do que formalizado. A
análise poderia ser aprimorada. Uma vez vitaliciado, o juiz só perde o
cargo com uma sentença judicial. Vitaliciar alguém em um cargo de juiz é
algo muito sério. A grande contribuição da EPM nesta fase inicial da
carreira do juiz não é dar um monte de cursos, como quem quer ensinar o
que é um Mandato de Segurança. Estes juízes acabaram de passar por uma
prova dificílima, se brincar estão mais afiados que a gente. Mas
insisto, é preciso analisar o aspecto humano do juiz, avaliá-lo no seu
dia a dia, ver como ele julga e atua, ver se tem vocação, e se não
tiver, que deixe de ser juiz.
ConJur — Por falar em conhecimento jurídico, as metas definidas pelo CNJ reduzem a qualidade de uma sentença?
Armando Toledo — A qualidade de
um texto sim, da decisão não, nem deve. Antes você pegava uma decisão
que era quase uma obra de arte. Hoje, estão mais resumidas. Abrimos mão
deste modelo para alcançarmos maior quantidade de julgados, claro, sem
abrir mão da qualidade. Além disso, vivemos em uma época de
transparência. Não só um advogado deve entender com clareza uma decisão
como também a parte. Neste aspecto, o juiz deveria ser como o
jornalista: tentar ser claro e objetivo, de forma que todos o entendam.
ConJur
— Alguns desembargadores não conseguem atingir as metas, e, de acordo
com resolução em vigor no TJ-SP, o trabalho destes é dividido entre
aqueles que estão em dia com os seus casos. Como o senhor avalia esta
regra?
Armando Toledo — O tribunal deve
se organizar de forma a prestar os serviços jurisdicionais da melhor
maneira possível. Acredito que com o passar do tempo, não teremos porque
falar em divisão de processos, porque o CNJ e os tribunais estão se
mobilizando para acabar com o estoque. Esforço para isso há. Enquanto
este dia não chega, considero que a divisão seja aceitável porque
beneficia a sociedade.
ConJur — O ritmo de trabalho do Judiciário paulista precisa ser maior para não haver acúmulo de processos. Como fazer isso?
Armando Toledo — A primeira saída
para a morosidade é a conscientização a respeito da conciliação. A
sociedade deveria, primeiro, se conciliar, resolver os problemas na
conversa, mas sabemos que isso não é o que acontece. Hoje em dia
qualquer coisa vira um processo. Algumas frases, como “Vá procurar seus
direitos” ou “Vou te processar”, estão cada vez mais em evidência e
populares. Por um lado, demonstra uma consciência da população com
relação aos seus direitos, o que é positivo. Por outro, ela deve
procurar resolver os conflitos amigavelmente. Se assim não conseguir,
deve entrar a atuação do Estado, que em um primeiro momento também deve
procurar a conciliação.
ConJur — O senhor é a favor da PEC da Bengala?
Armando Toledo — Fatalmente isso
acontecerá em virtude da perspectiva de vida do brasileiro que está
subindo e a questão de nós termos pessoas extremamente lúcidas e
experientes depois dos 70 anos. Contra isso, temos que a magistratura é
uma carreira extremamente longa e as pessoas podem, com o passar do
tempo, ficar desmotivadas a ponto de não prestar um bom serviço. Este é o
ponto central da questão: se após os 70 anos a pessoa tiver condições
amplas de continuar prestando o serviço com qualidade, ela deve
continuar. Por exemplo, os juízes acima dos 70 anos, podiam fazer parte
de um conselho que ajudaria a instituição a cuidar do seu futuro.
Teríamos toda uma experiência ajudando a aprimorar o Poder Judiciário.
Esta é apenas uma entre tantas possibilidades do que poderia ocorrer.
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